Mitos

Perduram no futebol muitos mitos baseados nas superficialidades que todos gostam de vomitar sobre este jogo.

Toda a gente sabe (quando uma ideia começa assim é logo sinal de que algo está mal) que numa equipa tem de haver um criador de jogo e um destruidor de jogo. Para além do que cria jogadas (aparentemente sozinho) tem de haver sempre um jogador para as bolas divididas (que são tantas e ele consegue estar em todas)

Os defesas têm de ser altos e fortes, os médios criativos já podem ser pequenos e ágeis. Um extremo nunca será extremo se não for rápido, tal como um lateral. O trinco tem de ser grande e mau, mostrar os dentes aos adversários e ladrar muito. O avançado tem de marcar golos.

E no final já todos se esqueceram do ponto principal: saber jogar futebol. E “saber” é aqui uma palavra crucial, porque todo ele está na cabeça. Prefiro em qualquer dia da semana um defesa que saiba iniciar a construção com critério ou perceba onde deve estar quando o adversário tem a bola. Quero um trinco que arrisque passes verticais e procure sempre melhores situações para a equipa. Um extremo que perceba em que situações pode e deve forçar a jogada individual e quando deve jogar com os colegas de equipa. Um avançado que saiba que mais que marcar golos, deve ajudar a equipa a chegar à frente.

Se forem todos grandes e fortes, maravilha. Mas isso fica para segundo plano.

Superficialidades

Escrever sobre futebol passa hoje em dia, erradamente, pela utilização de chavões. Quantas crónicas não faltam por aí em que a equipa que perdeu não teve garra, chama, vontade, inspiração ou força? Quão inócuos e superficiais são estes textos (que têm como base apenas impressões gerais do jogo e onde cabem sempre mais umas linhas sobre a inexistência de ideia de jogo, entrosamento entre os jogadores e outras barbaridades) quando se recusam a ir a fundo na sua análise, sob risco de terem de definir e sustentar todos estes termos?

Porque é sempre mais fácil utilizar estas ideias feitas, que todos entendem mas ninguém quer definir ao certo, do que de facto pensar no jogo. O jogador adversário chegou primeiro à bola? É claramente falta de garra. A equipa só efectuou três remates na primeira parte? Se ao menos os jogadores quisessem, com esta falta de vontade não vamos lá. O avançado falhou um passe? Pois, então os jogadores nem se conhecem!

E assim continuamos, recusando pensar mais num jogo em que gastamos tanto tempo das nossas vidas, sentenciando cada jogador, cada lance e cada jogo com superficialidades.

Dito isto, o empenho dos jogadores pode e deve ser alvo de escrutínio e as ideias de jogo só crescem se forem criticadas. Ambas são elementos fundamentais no futebol.

A melhor ideia de jogo de nada vale se os jogadores não se esforçarem para a implementar em campo. Se os jogadores estão perfeitamente posicionados em organização defensiva mediante a posição da bola, se quando partem para o ataque o fazem de forma segura evitando perdas de bola na defesa, se no ataque procuram colocar jogadores entre as linhas adversárias e criar superioridade numérica e se quando perdem a bola sabem como a recuperar rápido, só serão de facto uma grande equipa se executarem todos estes momentos com a maior intensidade possível.

Do mesmo modo, agressividade sobre a bola qualquer treinador consegue pedir aos seus jogadores e só por si serve de nada. Se os jogadores correm rapidamente atrás da bola, procuram aparecer em todos os momentos e nunca dão uma jogada por perdida, só serão de facto uma grande equipa se perceberem que antes de correr têm de saber para onde correr.

Agora, reduzir a exibição duma equipa a sentenças superficiais é ridículo e, acima de tudo, preguiçoso.

Lei dos resultados

É o ponto alto de qualquer discussão, análise ou crítica que se veja por aí espalhada em relação ao futebol, o argumento incontestável e supremo: o resultado. É também o grande responsável pela falta de evolução no discurso futebolístico e pela incompreensão sobre o que se passa em campo.

Se assistirmos a uma corrida de 100 metros no atletismo, é óbvio quem é o melhor. O resultado não mente e não há mais história para além de quem chegou primeiro. O atleta que correu mais rápido ganhou, é o mais veloz e por consequência o melhor. No salto em altura a mesma coisa: o atleta que saltou mais alto ganhou e é, portanto, o melhor.

No futebol as coisas complicam-se. Equipa A vence Equipa B por um golo de diferença. Equipa A é então a melhor? Talvez. Se repetirmos o jogo amanhã, com exactamente os mesmo jogadores, o resultado será o mesmo? Se jogarmos 10 vezes, a Equipa A ganha de todas as vezes?

Num jogo de futebol a bola rola durante 90 minutos, sendo que no final raros são os jogadores que a tiveram por mais de 2 minutos. Jogadas inteiras dependem de inúmeras decisões e execuções em menos de segundos. Quantos golos já vimos em que a bola vai ao poste e entra, em que o guarda-redes não toca por milímetros, em que o desvio no defesa sai exactamente para o sítio certo? Do outro lado, quantas bolas não entraram pelas mesmas razões?

Num jogo em que os imponderáveis, todos os acontecimentos que não podemos controlar, sucedem em tão grande número, como podemos chegar ao fim e olhar apenas para o resultado?

Se não é possível controlar o resultado face a tanta imprevisibilidade, a única coisa que podemos controlar é o comportamento ou o processo dos intervenientes. Ou seja o treinador não pode controlar que a sua equipa marque golo em determinada jogada ou não sofra noutra. Mas pode tentar controlar o modo como os seus jogadores se comportam nas diferentes situações e assim aproximar a sua equipa do sucesso.

Porque no fundo é esse, e apenas esse, o trabalho do treinador: aproximar a sua equipa do sucesso. O resto cabe aos jogadores.

Não é possível avaliar o trabalho dum treinador apenas através do resultado. Sendo um parâmetro de avaliação como qualquer outro, se não for contextualizado não vale de nada.

Partindo então para a análise dum jogo, é necessário manter a ideia de que o resultado por si não representa o valor da acção, mesmo no pormenor.

Quero com isto dizer que do mesmo modo que um jogo não é definido pelo seu resultado, uma jogada em particular também não o pode ser. Se uma jogada resultar em golo, as decisões que foram tomadas pelos intervenientes não podem ser automaticamente classificadas como boas. Vejamos, tentando simplificar:

Jogador A marca num remate fulminante a 40 metros da baliza. No entanto estava em jogo um colega de equipa do Jogador A em excelente posição, que com um simples passe ficava isolado para marcar golo. Voltamos atrás no tempo, na situação em que o Jogador A tem de decidir entre o remate ou o passe. A probabilidade de chegar ao golo a uma distância tão grande da baliza é reduzida, mesmo entre os jogadores mais talentosos. No entanto, a probabilidade de chegar ao golo através dum simples passe para um colega que fica isolado é superior, porque a finalização está ao alcance mesmo de jogadores menos dotados.

Concluímos então que, apesar do resultado (golo), a jogada podia ter sido resolvida de melhor forma, em que a probabilidade de chegar ao golo era maior. A decisão do Jogador A não foi a mais correcta.

Entender que o resultado não define o futebol é então meio caminho andado para perceber o jogo.

Nuno

Recuperando um grande texto do Tactical Porto, porque continua absolutamente actual:

“Enquanto vemos o FC Porto afundar vertiginosamente de ano para ano, o melhor treinador português dos últimos anos vê os golos do SCP de ontem à noite e sabe/sente que contra a sua fortíssima organização colectiva jamais ocorreriam.

Na sua estreia, provavelmente o desafio mais aterrorizador para um treinador de futebol a começar, mostrou o quão bem preparado estava, e nem contra a melhor equipa da história do jogo o seu FC Porto foi dominado em plena Supertaça Europeia.

Nem aí, nem em lado nenhum, nunca uma equipa foi capaz de dominar verdadeiramente o jogo contra esse FC Porto.

Ancelotti e Pellegrini vieram ao Dragão nesse período e saíram impressionados com o que encontraram. A perguntar-se quem seria o treinador totalmente desconhecido que estava no banco portista, que não lhes deu momento algum para ter bola, para penetrar no bloco adversário, para criar perigo sequer em bolas paradas.

Esse desconhecido, não só tinha uma das equipas mais equilibradas colectivamente que já vi no FC Porto, como queria dominar em qualquer momento, queria ditar a partida, queria ter a verdadeira dinâmica que se procura em posse, tendo sempre a vantagem e a probabilidade de sucesso claramente inclinada para si pelas ideias e princípios que a sua equipa imponha em campo.

No campeonato, os números nem sempre dizem tudo, mas neste caso concreto não deixam margem para dúvidas: 1 derrota em 60 jogos. 2 títulos consecutivos e totalmente indiscutíveis.
Contra os rivais durante o mesmo período, mesmo quando não ganhou, o FC Porto foi sempre superior, sempre.

Foi este o treinador que deixamos ir para fazer um facelift… Foi este o treinador que durante 2 anos acharam que ganhava por mérito de todos menos dele… Foi este o treinador que nos meteu num patamar tão alto do ponto de vista colectivo e competitivo que fez com que quem viesse a seguir tivesse naturalmente enormes dificuldades para manter o nível alcançado.

Não tenho nada contra facelifts, pois durante estes dois anos tivemos um treinador que conseguiu em determinada altura recuperar a esperança dos adeptos e mostrar todo o à vontade que se procura nestes casos do ponto de vista externo. E no futebol moderno faz todo o sentido ter isto como peso na escolha do perfil dum treinador, o que não faz sentido absolutamente nenhum é que isso seja o mais importante.

Provavelmente, o ideal é ter ambos, mas não sendo possível, entre a competência e a aparência, a primeira vai ser sempre a mais importante, seja no que for que se faça na vida.

Um grande abraço à Nação Portista.”